Li recentemente o currículo Lattes da médica Dra. Nise Yamaguchi. Um belíssimo currículo. Todavia, ela foi humilhada e atacada covardemente na CPI do Senado (já apelidada de CPI da Inquisição). E segue sendo atacada e humilhada pelas redes sociais e até em jornais de grande circulação. Um linchamento. Coisa horrível de se ver.
Não sei e nem me interessa saber qual a ideologia política da Dra. Nise. Como ser humano, como mulher, como profissional, médica, deveria ser respeitada. Mas não foi. E não foi porque ela defende um ponto de vista que é também defendido pelo presidente Bolsonaro. Por esse motivo então ela passa automaticamente a fazer parte do “eles, os maus” (contra “nós, os bons”). É o que basta para que seja atacada, humilhada, ridicularizada.
Esquerda, direita, centro, centro-esquerda, centro-direita. O que se percebe na verdade é que cada lado tem lá o seu “ódio seletivo”, sua “bondade seletiva” e seu “feminismo seletivo”… O machismo disfarçado, a misoginia disfarçada. Mas a agressividade e o deboche são ostensivos.
A essas perversidades específicas, já por si bastantes, soma-se o despeito, de homens e mulheres, em relação a quem pensa diferente.
Daí que se segue também o ódio ambivalente e a segregação raivosa de colegas, de amigos e até de familiares, que nos compelem a briguinhas mesquinhas nas redes sociais ou qualquer outro espaço virtual, as cutucadas virtuais, as indiretinhas, a tiração de sarro – a tal da “polarização afetiva” (coisa de politólogo norte-americano).
Tristes e podres, podres, podres tempos estes. Saudades dos tempos antes da pandemia. Mas então lembro que antes da pandemia a polarização radicalizada que já nos dominava.
Que tempos. O que nos falta? Falta-nos respeito e sensatez. Tolerância e silêncio. Engolir sapos e calar a boca faz bem sim (quem ama ou já amou vai entender melhor do que estou falando), para nosso próprio bem, nossa saúde física e mental e para o bem, a união e a felicidade de todos. Não há necessidade de sempre ter de responder a tudo e a todos. A isso se dá o nome de tolerância.
E por favor, não me venha com o cabalístico bordão “é preciso ser intolerante com os intolerantes”, idéia tosca de algum intolerante (eu sei, a idéia é de um tal de Karl Popper, mas o raciocínio original foi concebido em um contexto totalmente diferente), que nos remete a uma concepção moderna e edulcorada da Lei de Talião, do olho por olho, dente por dente. E olho por olho, dente por dente, acabaremos todos cegos (Mahatma Gandhi), cegos e banguelas. E isso tem nome também moderno: cancelamento.
Da intolerância do intolerante com o intolerante – e todo intolerante anti-intolerante é também apenas um mísero intolerante, nada mais que isso – criamos a cultura do cancelamento. Estamos nos cancelando diariamente, mutuamente.
Onde isso tudo vai dar? Afinal como termina essa história, esse até agora pequeno lapso da história do povo brasileiro? Não faço a mínima idéia. Talvez o silêncio dos bons, de tão retumbante, possa acabar indicando o caminho, afinal de contas.